Elogio da sombra

Num canto de cena

Na curva de um dia

Entre a janela e o sonho

Na concha do corpo

No porto da casa

Onde o silêncio me escuta

E me guarda

Na franja das ruas

Vago equilibrista

Entre o lobo e o cão

Ao rumor das ilhas

No vinho do tempo

Bebo o passado e o futuro

Eu me afasto e contemplo

*

A sombra me deu coragem

de ver o fundo e a margem,

de amar o mundo, ainda que tarde.

Abraçou meus absurdos,

recolheu os tempos tortos e amores mortos,

guardou as festas e assombros

que mais ninguém vai alcançar.

Vestiu meus reis, que estavam nus.

Calçou meus sapatos,

se fez andarilha comigo.

Desmanchou meus caminhos ruins,

compôs meu destino,

refez a trama da vida

pelo avesso dos meus dias.

*

A luz que ilumina

na sombra ela dança

no espaço onde brilha

ela dança e seduz.

A sombra que ensina

é aquela que habita

o coração que se lança

de uma outra longa luz.